MARIZILDA CRUPPE

por
Luís Barra

A fotojornalista, com um trabalho vasto e atento ao humano, permite-se uma conclusão após uns dias intensos em viagem, a ver em viagem. De tão próximo, Portugal surge, aos brasileiros, como conhecido e íntimo, como nos diminutivos: queridinho e bonitinho. Se nisso há verdade e conforto, não revela completamente o que espera o viajante que se atreva a entrar na Europa por aqui.
Marizilda Cruppe/Luís Barra

“Quando cheguei na Foz do Douro, no Porto”, recorda por instantes Marizilda, “fiquei olhando para o Atlântico e falei «Esses portugueses eram doidos mesmo para partir assim…» Tem que se ser muito corajoso, mas acho que compensou todo o sacrifício da travessia.” Como desmentir o pressuposto?

Quem chega, vindo do outro lado do Atlântico, encontra realmente a simpatia e entra com facilidade no jogo das identificações e semelhanças, para logo se perder nas estórias por detrás das pedras, basta levantar a primeira… Cruppe diz que não procura os seus temas, mas que estes acabam por a encontrar: “não tem como fugir das mulheres fortes do Norte.” Logo lhe saltam os exemplos de Ferreirinha, a D. Antónia nascida na Régua, em 1811, que construiu, a partir do Vinho do Porto e das encostas do Douro, um império financeiro, e depois a Maria da Fonte, a instigadora de uma revolta popular, também no século XIX. “Nunca tinha ouvido falar. As mulheres estão todas botando o peito de fora, mas Maria da Fonte, ao que parece, foi precursora. Nem importa se tem lastro histórico ou não, se algum historiador o provou ou não, mas só de haver esse folclore em torno de Maria da Fonte é suficiente.”

A natureza, como a cidade, tocaram-na, mas apenas como grande pano de cenário onde as vidas humanas acontecem, no movimento sincopado de quem passa ou no modo tranquilo de quem está simplesmente. Por vezes, como no caso do Solar de Mateus, uma peça de património aparece viva para o confirmar. “De fotografar, gosto mais com gente”, afirma, “mas tudo é interessante, porque a paisagem é contemplativa e também tem muita história, no caso do vale do Douro, tem muitas histórias juntas, ela não se resume só na contemplação da beleza. Tudo tem um fundamento histórico, tudo se completa.”

Impossível ignorar esta força tranquila do vale do Douro, sinal palpável da maneira como o homem aprendeu a mexer com a Natureza, mas esta entrou por ele dentro e estendeu socalcos, raízes e se fez rio. “O vale do Douro é belíssimo e é muito bonito ouvir a história da uva, do vinho e do quanto o homem luta com a diversidade da Natureza para conseguir triunfar. Na verdade nem é um triunfo, é uma parceria do homem com a natureza: montanhas muito rochosas em que as vinhas vão encontrando um jeito de se adaptar e o homem encontra um jeito de escoar a produção. Hoje é tudo facílimo: você tem estrada, comboio, o rio é navegável em alguns trechos, tem internet, tem um milhão de maneiras de solucionar problemas, mas na altura em que se começou a plantar… Lá me falaram: são nove meses de inverno e três de inferno, porque o inverno é realmente rigoroso e o verão é quente. Enfim, aquela região é muito, muito bonita.”

Nem só de quintas desenhadas e património esculpido a esforço pelo passado se fizeram estes caminhos. Aconteceram – e não terão sido poucos os pretextos e as ocasiões – paragens para ouvir o silêncio e retemperar forças, como outras para mergulhar na vertigem da vida urbana de cidades como Guimarães ou Braga. Nesta última há que guardar para mais tarde recordar um dia num jogo de futebol, tendo como cenário o premiado e surpreendente estádio, assinado por Souto Moura. “Mal entrei no estádio”, conta Marizilda, “encontrei uma senhora de quase 80 anos, a Dona Amelinha, que viaja para todos os países, acompanhando todos os campeonatos do Braga. Aí, com aquele cabelo todo arrumadinho, parecia que ia para um casamento, diz: «Ai, menina, se Portugal se classificar para a copa é limpinho que eu vou para o Brasil!» Adorei aquela obra, superinteressante, encravada numa pedreira, mas em uso, vendo os torcedores e os jogadores lá.” Os jogadores e as velhas torcedoras de cabelo arranjado, claro.

A luz parece sublinhar o conjunto, prolongando cada momento – no jogo de futebol como no meio do parque natural, no coração histórico da cidade ou apreciando arte em museu – num longuíssimo fim de tarde. Dá para ter confiança no olhar experimentado da fotógrafa: “o sol não se põe, se estende, tem aquelas sombras compridas e é muito luminoso. Além de que o resto do dia tem uma luminosidade danada. Realmente é bonita”.


“O Porto é cidade onde moraria

tranquilamente. É relativamente

pequena, mas tem tudo, tem uma cena

cultural grande, é viva!”


“De fotografar, gosto mais com gente,

mas tudo é interessante, porque a paisagem

é contemplativa e também tem muita história.”


“No Douro tem muitas histórias juntas,

não se resume na contemplação da beleza.

Tudo tem um fundamento histórico,

tudo se completa.”