Christian Cravo

por

António Carrapato

Não há como escapar: as associações marcaram o percurso de Christian Cravo, baiano de origem portuguesa e pela primeira vez em Portugal. “O que eu mais curti nessa viagem foram as associações – como o Brasil é parecido com Portugal, o quanto o brasileiro é parecido com o português… A marca não ficou só na arquitetura ou na comida, ficou na genética.”
Christian Cravo/António Carrapato

Partindo do princípio que é através do seu interior que se conhece um país, Cravo percorreu em poucos dias muitos quilómetros e no interior desses quilómetros várias outras distâncias. Foi surpresa, claro. “É outra escala, mas a Europa tem uma microdiversidade muito maior do que os países continentais. Nos Estados Unidos da América, de uma cidadezinha para outra são 50, 100, 200 quilómetros… Aqui não, são 20 ou 10. A microgeografia é completamente diferente. Você está de um lado de um morro e é um tipo de vista; cruza a montanha e do outro lado é outra cultura, outra tradição, outro vinho, outras personalidades da terra, é um queijo de cabra que se faz ali e do lado de cá da montanha faz-se azeite… Muito interessante fazer esse contraponto.”

E a estranheza prolonga-se quando nos apercebemos que daqui partiram os descobridores capazes de unificar países que são agora do tamanho de continentes. Continuamos, sem querer, no jogo das semelhanças e das diferenças. “E você fica pensando como é que esses caras foram para o Brasil naquela época e conseguiram unificar um país tão grande. E se fala a mesma língua no Brasil inteiro – isso é um feito único. (Só os Estados Unidos da América conseguiram expandir o leque do idioma inglês por um território tão grande quanto o Brasil). E isso saiu dum lugar tão pequenininho…”

Atravessar o sul é também cruzar os vários tempos e tensões de que somos feitos. A planície pode ser interrompida com uma “multidão” de painéis solares, os rios cruzam-se com pontes que são o estado da arte da engenharia, as pousadas aproveitaram monumentos históricos para que a moderna arquitetura acrescentasse uma camada ou rasgasse prolongamentos de conforto, os grandes olivais são interrompidos por adegas também elas assinadas por Siza Vieira ou Souto Moura; no seu interior o azeite ou vinho, ainda que feitos com as técnicas mais sofisticadas, mantêm um perfume de um sabor que só a ancestral tradição oferece. Algo semelhante parece afirmar a combinação de golfista com um pescador à linha, tendo ambos por horizonte o mar. “É muito difícil desassociar uma visão incrustada. Sempre vi Portugal como Portugal colonial, o Portugal antigo da tradição, do trabalho manual, do azeite e do vinho.”

Só à mesa se deveria continuar tal conversa, no fundo continuando a tratar do Portugal dos sabores. “Na nossa culinária da Bahia quanta coisa não veio daqui! É lógico que no Brasil teve uma «guinada» diferente, tomou um rumo de misturar com comida indígena e esclavagista, comida de escravo, da senzala como a gente chama. A comida de Portugal é mais «da casa grande». É como se você tivesse pegado em carne de segunda ou terceira e misturado o feijão, vísceras… A comida brasileira é única, mas aqui tem uma comida muito boa; se come bem aqui. Aliás, é uma sociedade que está voltada para a comida, talvez não tanto como os espanhóis, mas gira muito em torno da alimentação.”

A luz, a inevitável luz que cada fotógrafo persegue, essa é distinta. “Não é a mesma não, aqui é mais luminoso. O sol lá é muito mais forte e é mais húmido, então é mais quente – aquela humidade terrível… Mas aqui tem uma luminosidade que chega a incomodar, muito lindo mesmo.”


“De um lado de um morro

é um tipo de vista; cruza

a montanha e do outro lado

é outra cultura, outra tradição.”


“Isso é fascinante: estar vendo

uma pegada de alguém que pertenceu

a outra época e que agora está

num contexto dois mil anos à frente.”


“É uma sociedade que

está voltada para a comida,

que gira muito em torno da

alimentação.”